terça-feira, 17 de maio de 2011

Os çábios e os jenios

Desde que eu tinha 18 anos de idade, vivo cercado de pedagogo(a)s. Tive a companhia de profissionais extremamente dedicados, questionadores e, principalmente, com os pés no chão com relação aos infinitos e complexos métodos de aprendizagem apresentados pelos alunos.

Infelizmente também trabalhei com alguns que não merecem ser chamados de pedagogos, e sim, “pedabobos”. Gente longe do chão da sala de aula, coladas em seus birôs com soluções mirabolantes que só serviam para desfazer os poucos progressos que conseguíamos. Coisas tão obviamente inadequadas à realidade de sala de aula, adoravam complicar o que poderia ser simples.

Para esta minoria, parece que ser "complicado" tem um certo "tchan". Nós, os docentes, éramos os "rebeldes", os "desobedientes" e por aí vai. Para eles, nenhuma resposta de um aluno é errada, devemos "enxergar" através dos olhos do aluno.

Se um aluno quiser pintar uma bandeira brasileira de vermelho numa aula de Corel Draw dizendo que enxerga o Brasil assim, é direito dele, mas o que fazer se outro aluno, em uma aula de Excel, insistir que "2+2" tem que dar cinco? Se eu contrariá-lo, vou traumatizá-lo...

Para minha sorte, as políticas equivocadas nunca resistiam ao tempo e sempre eram (discretamente) revogadas. E assim trabalhei catorze anos. Sugerindo de um lado, cedendo de outro.

Hoje estou em outra instituição (não como docente) mas continuo convivendo com pedagogos. Felizmente, com profissionais “pés no chão”, respondendo diretamente a quatro deles e não há estresse. Talvez porque eles, além de serem pedagogos, também dão aulas, estando assim no "chão de fábrica"? Quem sabe.

Por que estou falando disso? A última pérola praticada pelo Ministério da Educação, seria linda se não mexesse com coisa séria: autorizou a utilização em sala de aula de um livro que, entre outras gracinhas, diz que falar “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” não é errado, é apenas inadequado, que não devemos ter preconceito com quem escreve assim. A marmota se chama "Por uma Vida Melhor", da ONG Ação Educativa. Foi distribuído a 4.236 escolas. Durma com um barulho desses...

Da mesma forma, usando o mesmo raciocínio, se um estudante de engenharia estiver fazendo cálculos para construção de um prédio e disser que “foda-se a hipotenusa”, será apenas "inadequado", não errado. O que dirão aqueles que estiverem no prédio quando ele desabar? Ou quando um pai bater em uma mãe, dirá ao filho o quê? Que aquele comportamento é errado ou simplesmente "inadequado", ou seja, pode ser perdoado? Roubar e matar vai virar algo "inadequado"? Odeio essa palavra. Não passa de um eufemismo, um casuísmo.

Vivemos numa insuportável (e não declarada) ditadura. A ditadura do politicamente correto. É evidente que, se uma pessoa humilde falar errado, devemos ter a delicadeza de fazer de conta que não ouvimos e, talvez, sugerir uma correção em um momento oportuno.

Mas jogar fora as regras de português porque um monte de gente não consegue (ou não quer) aprender a forma correta é um pouco demais. Coitadinhos? Bichinhos? "Pedabobo" adora isso, adora fazer média em cima de “pobrezinhos”. Conheci alguns pedagogos que acreditavam que todo mundo pode aprender o que quiser. Eu ficava espumando de raiva quando diziam que “se o aluno não aprende, a culpa é do professor, você não ensinou direito”.

E quem tem preguiça, quem não sabe o que significa a palavra "esforço"? E quem não quer aprender? E quem está na sala de aula apenas porque alguém (mãe, pai ou empresa) está pagando o curso? E se a pessoa não tem "talento" pra determinada coisa? Ouço falar que a área de engenharia está bombando, cheia de empregos, mas não há profissionais capacitados. Ora, não vou atrás disso porque eu sei que não possuo talento pra coisa. Qualquer pessoa normal sabe disso, não se mete com o que não pode. Menos alguns pedagogos e suas soluções "fantásticas".

Seguindo o raciocínio, nessa política de extermínio ao preconceito e consagração dos coitadinhos, vamos contratar o último colocado numa seleção de emprego? Vamos contratar um cozinheiro que não sabe diferenciar sal de açúcar? Vamos beijar na boca de quem não nos atrai porque “o(a) coitadinho(a) tá carente”?

A coisa pegou tão mal que gerou uma situação exdrúxula: o MEC por um lado autoriza o uso do livro; por outro, diz que vestibulares e concursos continuarão usando a norma culta. Afinal o povo deve escrever de qualquer jeito (inclusive o pavoroso “internetiquês” com seus ‘vc’, ‘eh’, ‘pq’ e etc) ou estudar a norma culta?

Reconheço que em certas ocasiões, soluções pouco-ortodoxas podem ser interessantes. Melhor que isso são aquelas soluções simples, tão óbvias que estavam na frente de todo mundo e ninguém via.

2 comentários:

  1. Caro Rafael,

    Você sempre foi um excelente profissional. Senso crítico aguçado, uma boa linha de raciocínio. Jamais, portanto, deve-se entregar a um ponto de vista sem considerar pelo menos uma outra versão.

    Recomendo-lhe a leitura da opinião do professor doutor Marcos Bagno, antes de fazer peremptórias conclusões.

    Leia http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=745

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  2. Oi, Kelsen!

    Não sou da área de linguística, mas sempre fui orientado a respeitar a norma culta devido a vestibulares, concursos e as próprias demandas de meus ambientes de trabalho.

    Apenas não concordo com a "inclusão" da "ignorância" (royalties para Marcelo Tas), deveríamos combatê-la. Do que adianta "respeitar" as variedades se elas não são aceitas onde realmente interessa, ao buscar novas oportunidades de trabalho e crescimento profissional (novamente: vestibulares, concursos, entrevistas etc)?

    Esse é o ponto. Gostei de sua opinião, lembrei dos velhos tempos de Seate no Senac, rsrsrs... Um grande abraço e sempre será um prazer conversar (ou teclar) com você!

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