terça-feira, 10 de maio de 2011

Uma noite no Dragão do Mar


Sábado à noite é tema até de filme sobre os embalos que podem ser vivenciados. Para muitos é momento de confraternizar com amigos, para outros é hora de ter com a cara-metade, para muitos e muitos mais é a senha para pegar alguém, "é agora ou nunca", até parece que pegar alguém no sábado à noite é diferente (e melhor?) do que pegar nos outros dias, mais números para a contabilidade sexual.

Pra mim, nunca teve diferença.

Mas o que interessa, é que atualmente meu sábado à noite costuma se encerrar à meia-noite, muitas vezes até bem antes disso. Para evitar que a carruagem da cinderela vire abóbora? Não, não tenho nenhum problema com isso. Sempre fui um cara "do dia", uma noite sem dormir impacta em pelo menos dois dias úteis improdutivos pra mim. Mas recentemente, aproveitando um momento especial para meu irmão caçula, resolvi sair da toca.


Depois de um excelente jantar na companhia do meu irmão, sua respectiva cara-metade e alguns amigos, decidimos que ainda era cedo. Para onde ir? Decidiram ir ao Dragão do Mar.

De tempos em tempos fui frequentador da noite daqueles lados. Primeiro, da antiga Praia de Iracema dos tempos do Cais Bar, que saudades. Anos depois, Dragão do Mar, antes da balada se encerrar em uma das boates da moda. Lugar de música variada (geralmente de qualidade), gente bonita e aparentemente bem-resolvida, de putas cheias de classe que não tem cara de puta e por aí vai.

Não, eu não ia caçar, pois sempre estava acompanhado e mesmo quando sozinho, meu jeito sério e fechado mesmo em plena descontração desencorajava olhares alheios - defeito que adquiri em seis anos de relação séria e do qual não consigo me livrar.

Eis que em 2011, ao retornar ao mesmo Dragão após um exílio voluntário, me senti em outro lugar. Lá estava tão cheio quanto antes, mas com novos espécimes. As putas continuavam lá, mas sem nenhuma classe. Os emos aparentemente se mudaram da Praça Portugal para o Dragão. A diversidade passou a chamar mais atenção do que os corpos bonitos que outrora proliferavam.

Certas coisas não mudaram - graças a Deus. O Chopp do Bixiga continua o mesmo com sua música de excelente qualidade. Do outro lado, no restaurante que possui o mesmo nome do centro cultural, a cantora loira continua com sua excelente voz rouca. O Amicis também parecia continuar com sua clientela bonita e aparentemente bem-resolvida (afinal, é a máscara preferencial de quem sai sábado à noite, está certo, deixe os problemas para os dias úteis).


Mas fora desses points, a diversidade desafia os limites de tolerância de qualquer mortal, por mais mente aberta que seja. Uma rápida olhada choca qualquer um. Não é preconceito, é surpresa, pura surpresa. Não estou falando de gays e lésbicas, estou falando de algo mais evoluído e complexo que isso.


Estou falando de seres mitológicos e que não foram catalogados pelas Ciências Biológicas por incapacidade de existir uma metologia de classificação que os englobe. Estou falando de pessoas que deixam quaisquer personagens de mangás-animes japoneses parecendo clássicos de Walt Disney de 1940. Estou falando de pura criatividade. De pessoas, homens e mulheres, na verdade meninos e meninas que parecem assumir uma identidade secreta no sábado à noite. Ou seria o contrário, aquelas seriam as identidades públicas liberadas e durante a semana em seus trabalhos e estudos estariam exercendo as identidades secretas?

Gays e lésbicas são o de menos naquele lugar. Aqueles jovens fogem a qualquer descrição, estereótipo ou classificação. Não podem ser chamados de emos (estes são vovós conservadoras perto dos espécimes que visualizei) - são algo mais evoluído como se isso fosse possível. No meu tempo, os emos só andavam de preto. Lá, as cores frutificavam na forma de penteados exóticos, de maquiagens criativas, de roupas aparentemente rasgadas, amassadas e fora do lugar, mas que na verdade, num olhar mais atento, era claro que o desleixo era milimetricamente calculado.


Era a linha "chocar a sociedade" em qualquer aspecto que fosse. Nem pokemons têm tanta capacidade de evoluir, eu acho. Um grupo de dezessete adolescentes (só pode ser, não acredito que nenhum deles tivesse mais de dezessete anos) chegou próximo onde eu estava e me senti um visitante no zoológico, tal a diversidade de penteados, cada um querendo causar mais que o outro e apesar de toda a coisa andrógina, nenhum parecia ser gay, nem as meninas, embora másculas, pareciam ser lésbicas. Os rótulos foram todos jogados fora.

Casais altamente improváveis estavam ali, felizes e tranquilos. E por que não dizer, satisfeitos por estarem livres e contentes a cada olhar de espanto que recebiam. São tantos exemplos mas não me cabe listar. Apenas observar (e me chocar um pouco, é claro, eu sou gente!)


Sempre fui muito observador, e nesta noite, fiquei ainda mais curioso - e mais calado. Enquanto me refugiava no silêncio, me isolando dos assuntos (e comentários) das pessoas que me acompanhavam, mais observava, mais analisava e menos entendia. Na verdade, nem queria entender. Não estou sendo politicamente correto ou incorreto, apenas tentava assimilar todos aqueles novos conceitos expostos ali.


O mundo mudou mais rápido do que fui capaz de compreender. Tentar "compreender pelos olhos do outro", como recomenda a doutrina Espírita, era lento demais, não cabia naquela hora. Percebi que, naquele lugar, ser "anormal-diferente-exótico" era o normal e eu, no auge da minha calça jeans, tênis e camisa polo era o diferente, eu era o anormal, o exótico dentro daquela anormalidade normal.

E, também aparentemente, a paz reinava naquele lugar. Tudo bem que os soldados do Ronda do Quarteirão estavam por perto e estavam atentos, embora as substâncias ilícitas não fizessem questão de esconder sua presença. Muitos daqueles jovens, embora assustadores em um primeiro momento e de certa forma portando uma placa "afaste-se" na verdade querem apenas ser notados, ser compreendidos, ser amados (embora rejeitem a caretisse do amor). É uma forma, digamos, pouco convencional de querer isso, mas hoje é assim. As pessoas são desse jeito, dizem "não" quando querem dizer sim, dizem "sim" quando querem negar...
Não, eu não precisava beber naquele dia. Apenas precisava (e preciso) sair mais de casa. Apenas preciso saber que ter a mente aberta nunca é suficiente. Saber e ter a convicção que é a vida, viver é sempre surpreendente. Cada um do seu jeito, mas sem prejudicar ninguém no processo.

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